Os Consórcios Públicos Podem Prever Especificações E Exigências Distintas para Itens Similares de um Mesmo Objeto em seus Editais?
- 5 de agosto de 2024
- Posted by: fcbrant
- Category: Consórcio Público
Por: Marcela Oliveira[1]
Supervisão: Felipe Ansaloni[2]
I – Introdução
A Nova Lei de Licitações traz a possibilidade de realização de licitação compartilhada por consórcios públicos.[1] Além disso, o Decreto Federal nº 6.017/07 permite que entes da administração direta ou indireta constituam consórcios públicos com o intuito de realizarem licitação para celebrarem contratos por meio de um mesmo edital.[2]
Essa gestão compartilhada de compras traz inúmeras vantagens. Pode-se citar o aumento da competitividade e consequentemente melhores propostas para a compra ou contratação de um objeto pelos entes consorciados.
Nessa senda, considerando que as licitações realizadas pelos consórcios públicos devem satisfazer as necessidades de vários entes, os editais dos consórcios podem prever especificações e exigências distintas para itens similares de um mesmo objeto.
Nesse artigo vamos discutir sobre essa possibilidade e suas implicações, bem como o posicionamento da Jurisprudência sobre o assunto.
II – Os Consórcios Públicos Podem Prever Especificações e Exigências Distintas de Itens Similares de um mesmo Objeto em seus Editais?
Vamos imaginar que, para a idealização de um projeto em comum, determinados municípios se reuniram em consórcio para realização de licitação para adquirir mobiliário escolar. Embora os mobiliários guardem características semelhantes, alguns dos municípios consorciados ficam localizados em regiões litorâneas, necessitando de que esse mobiliário possua resistência à névoa salina.
Nessa toada, o consórcio público pode inserir em seu edital a exigência de apresentação de laudo ou certificação pelo licitante vencedor, de que esse mobiliário seja resistente à névoa salina?
Essa celeuma, foi discutida no Processo 1149073 – Denúncia. Relator Cons. Agostinho Patrus do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:
DENÚNCIA. CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL. PREGÃO ELETRÔNICO. REGISTRO DE PREÇOS. FORNECIMENTO DE MATERIAIS PERMANENTES PARA ATENDER OS MUNICÍPIOS CONSORCIADOS. LAUDO PARA A CONTRATAÇÃO DE MOBILIÁRIO RESISTENTE À EXPOSIÇÃO DE NÉVOA SALINA. ATENDIMENTO INDISTINTO DE ÓRGÃOS LOCALIZADOS NO LITORAL E EM REGIÕES DE BAIXA OU DE NENHUMA SALINIDADE. PROCEDÊNCIA. SEM APLICAÇÃO DE MULTA. RECOMENDAÇÃO. ARQUIVAMENTO.
“É irregular a exigência de realização do laudo para a contratação de mobiliário resistente à exposição de névoa salina visando ao atendimento indistinto de órgãos localizados no litoral e em regiões de baixa ou de nenhuma salinidade pode resultar na contratação, por parte dos órgãos não litorâneos, já que pode resultar na aquisição de móveis dotados de características não essenciais e mais onerosos do que o necessário.” (grifo nosso)
(Processo 1149073 – Denúncia. Relator Cons. Agostinho Patrus. Deliberado em 21/5/2024. Publicado no DOC em 19/6/2024)
Nota-se que a Corte Mineira de Contas orienta que não deve ser exigido laudo de resistência à névoa salina, pois o objeto irá atender órgãos litorâneos e não litorâneos. Tal exigência pode onerar os órgãos não litorâneos, que estarão obrigados a adquirir mobiliários com valor maior, sem necessidade.
É cediço que os Consórcios Públicos, na elaboração do edital estudem as peculiaridades, necessidades e características dos órgãos consorciados, para que possam especificar com precisão o objeto a ser licitado, de forma a atender satisfatoriamente a necessidade de todos eles.
A não observância das características e peculiaridades de todos os consorciados, pode gerar contratações elevadas para alguns entes, ferindo ao princípio do parcelamento, consagrado na Nova Lei de Licitações.[3]
III – Recomendações do TCE/MG aos Consórcios Públicos:
- A exigência de laudo para a contratação de mobiliário resistente à exposição de névoa salina visando ao atendimento indistinto de órgãos localizados no litoral e em regiões de baixa ou de nenhuma salinidade é irregular;
- Essa exigência por parte dos órgãos não litorâneos, pode resultar na aquisição de móveis dotados de características não essenciais e mais onerosos do que o necessário.
IV – Recomendações da 11E ao Empresário:
- Os empresários devem observar com atenção as especificações editalícias e possíveis variações, em razão das regiões brasileiras a serem atendidas;
- Também devem ter conhecimento da variedade mercadológica do seu nicho, para que possam oferecer o objeto que atenda de forma satisfatória à Administração Pública.
V – Comentários do Professor Felipe Ansaloni
- Os consórcios públicos podem prever em seus editais, especificações e exigências distintas para itens similares, por exemplo mobiliários, desde que haja justificativa plausível;
- Os empresários devem ficar atentos à análise de cada item de disputa, uma vez que itens similares podem ter exigências de habilitação distintas em função de motivações técnicas.
VI – Conclusão
Os Consórcios Públicos devem estar atentos às peculiaridades, necessidades e características dos órgãos consorciados, na elaboração do edital, para que possam especificar com precisão o objeto a ser licitado, de forma a atender satisfatoriamente a necessidade de todos eles, podendo, inclusive prever em seus editais, especificações distintas para um mesmo objeto, desde que haja motivação técnica para isso.
Exigir especificações ou laudos específicos, em um processo que irá atender a entes com características distintas, pode resultar em contratações dispendiosas e desnecessárias para determinados consorciados, o que vai na contramão da contratação mais vantajosa.
VII – Como citar este texto
BARBOSA, Felipe José Ansaloni. OLIVEIRA, Marcela de Sousa. Os Consórcios Públicos Podem Prever Especificações Distintas para um mesmo Objeto nos seus Editais? 2024. Disponível em: www.11E.com.br.
[1] Art. 181. Os entes federativos instituirão centrais de compras, com o objetivo de realizar compras em grande escala, para atender a diversos órgãos e entidades sob sua competência e atingir as finalidades desta Lei.
Parágrafo único. No caso dos Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, serão preferencialmente constituídos consórcios públicos para a realização das atividades previstas no caput deste artigo, nos termos da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005.
[2] Art. 19. Os consórcios públicos, se constituídos para tal fim, podem realizar licitação cujo edital preveja contratos a serem celebrados pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados, nos termos do § 1o do art. 112 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
[3] Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:
V – atendimento aos princípios:
- b) do parcelamento, quando for tecnicamente viável e economicamente vantajoso;
- 2º Na aplicação do princípio do parcelamento, referente às compras, deverão ser considerados:
I – a viabilidade da divisão do objeto em lotes;
II – o aproveitamento das peculiaridades do mercado local, com vistas à economicidade, sempre que possível, desde que atendidos os parâmetros de qualidade; e
III – o dever de buscar a ampliação da competição e de evitar a concentração de mercado.