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Empresas Estatais Podem Divulgar Licitação Sem Orçamento Estimativo?

Por: Marcela Oliveira[1]

Supervisão: Felipe Ansaloni[2]

 

I – Introdução

A gestão de licitações e contratos no âmbito das empresas estatais passou por significativa transformação com o advento da Lei nº 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais. Este marco regulatório trouxe regras específicas para o procedimento licitatório dessas entidades, determinando parâmetros e requisitos próprios que se distinguem do regime geral estabelecido pela Lei nº 8.666/93, que posteriormente foi substituída pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

Neste artigo, discutiremos a obrigatoriedade da conclusão do orçamento estimativo antes da divulgação do certame licitatório por empresas estatais, analisando a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), especialmente o Acórdão nº 3059/2016-Plenário, que estabeleceu importante precedente sobre a matéria. Abordaremos ainda as implicações práticas dessa exigência tanto para gestores públicos quanto para empresários interessados em contratar com empresas estatais, oferecendo recomendações específicas para ambos os grupos.

II – Empresas Estatais Podem Divulgar Licitação Sem Orçamento Estimativo?

 

O orçamento estimativo constitui peça fundamental no planejamento de qualquer procedimento licitatório. Trata-se de instrumento que permite à Administração dimensionar adequadamente a contratação, definir a modalidade licitatória aplicável (quando pertinente) e avaliar a exequibilidade das propostas apresentadas pelos licitantes. Sua elaboração prévia visa garantir que a contratação seja vantajosa, evitando o desperdício de recursos públicos.

Antes da Lei das Estatais, as empresas públicas e sociedades de economia mista podiam seguir regimes simplificados de contratação. No caso específico da Petrobras, aplicava-se o Decreto nº 2.745/1998, que já estabelecia em seu item 5.2, subitem I, alínea “c”[3], a necessidade de conclusão do orçamento estimativo antes da divulgação do certame licitatório.

A Lei nº 13.303/2016 consolidou e aprimorou as exigências relativas ao orçamento estimativo. Em seu artigo 51, incisos I e II, estabelece que:

Art. 51. As licitações de que trata esta Lei observarão a seguinte sequência de fases:

I – preparação;

II – divulgação;

[…]

A interpretação sistemática da Lei das Estatais indica claramente que na fase de preparação devem ser elaborados todos os documentos necessários ao certame, incluindo o orçamento e a estimativa do valor da contratação. Apenas após a conclusão dessa etapa preparatória é que se deve passar à fase de divulgação do procedimento licitatório, conforme a sequência estabelecida no próprio art. 51.

No Acórdão nº 3059/2016, o TCU analisou situação em que uma licitação foi divulgada sem a conclusão do orçamento estimativo. A decisão do Tribunal foi clara ao considerar tal prática uma irregularidade:

REPRESENTAÇÃO DE EQUIPE DE AUDITORIA. SONEGAÇÃO DE DOCUMENTOS. DIVULGAÇÃO DE LICITAÇÃO SEM A CONCLUSÃO DO ORÇAMENTO ESTIMATIVO. DILIGÊNCIA. LICITAÇÃO REVOGADA. ANÁLISE DA MATÉRIA À LUZ DO DECRETO 2.745/1998 E DO NOVO ESTATUTO DAS EMPRESAS ESTATAIS. EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO DE CIÊNCIA À PETROBRAS.

A divulgação de licitação sem a conclusão do orçamento estimativo do certame viola o item 5.2, subitem I, alínea “c”, do Decreto 2.745/1998 e, no regime atual, os arts. 51, incisos I e II, da Lei 13.303/2016.

(ACÓRDÃO 3059/2016 – PLENÁRIO – Relator: BENJAMIN ZYMLER – Processo: 011.256/2015-0 launch – Tipo de processo: REPRESENTAÇÃO (REPR) – Data da sessão: 30/11/2016 – Número da ata: 49/2016 – Plenário)

Esta decisão consolidou o entendimento de que o orçamento estimativo é elemento prévio e indispensável à divulgação do certame, não sendo admissível iniciar o procedimento externo da licitação sem que esta peça fundamental esteja concluída.

Esses dispositivos legais são claros ao estabelecer que o edital de licitação deverá conter a descrição detalhada do objeto da contratação e o orçamento detalhado, com os preços unitários e totais, elaborado previamente pela administração pública. A exigência de um orçamento estimativo concluído antes da divulgação da licitação possui diversas finalidades importantes:

  • Transparência: Permite que os potenciais licitantes tenham conhecimento do valor que a administração pública estima para a contratação, possibilitando a formação de propostas mais conscientes e a avaliação da razoabilidade dos preços praticados no mercado.
  • Planejamento: Demonstra que a administração pública realizou um planejamento adequado da contratação, definindo o escopo do objeto e estimando os custos envolvidos.
  • Controle: Facilita o controle por parte dos órgãos de fiscalização, como o próprio TCU, que podem comparar os valores das propostas com o orçamento estimativo para identificar possíveis irregularidades, como sobrepreços.
  • Competitividade: Contribui para um ambiente de maior competitividade, pois os licitantes podem avaliar se possuem condições de apresentar propostas vantajosas dentro dos parâmetros estabelecidos pela administração.

III – Recomendações do TCU às Empresas Estatais:

Com base na jurisprudência do TCU e na Lei das Estatais, recomenda-se aos gestores de empresas públicas e sociedades de economia mista:

  1. Garantir a conclusão do orçamento estimativo antes da divulgação do certame – O processo interno de elaboração do orçamento deve ser concluído na fase preparatória, antes de qualquer divulgação externa do procedimento licitatório.
  2. Documentar adequadamente a metodologia utilizada – O orçamento estimativo deve ser baseado em parâmetros técnicos adequados e pesquisa de mercado consistente, com metodologia claramente documentada nos autos do processo.
  3. Estabelecer fluxos de aprovação – Implementar processos internos que garantam a aprovação formal do orçamento estimativo pela autoridade competente antes da publicação do edital.
  4. Promover capacitação contínua – Investir na capacitação das equipes responsáveis pela elaboração de orçamentos, considerando a complexidade técnica desta atividade.
  5. Instituir controles internos eficazes – Desenvolver mecanismos de verificação que impeçam a divulgação de licitações sem o devido orçamento estimativo concluído.

IV – Recomendações da 11E Licitações ao Empresário:

Para as empresas interessadas em participar de licitações conduzidas por estatais, recomenda-se:

  1. Verificar a conformidade do procedimento – Ao identificar a ausência de orçamento estimativo em licitação já divulgada, considerar a possibilidade de questionar o procedimento administrativamente ou representar junto ao TCU.
  2. Avaliar os riscos de participação – Certames sem orçamento estimativo prévio tendem a apresentar maior risco de anulação ou revogação posterior, podendo causar prejuízos aos participantes.
  3. Preparar-se adequadamente – A empresa deve realizar seu próprio estudo de viabilidade econômica do objeto licitado, independentemente da existência ou não de orçamento estimativo por parte da estatal.
  4. Acompanhar a jurisprudência – Manter-se atualizado sobre as decisões do TCU relativas às licitações de estatais, especialmente quanto aos requisitos procedimentais.

V – Comentários do Professor Felipe Ansaloni

A jurisprudência do TCU consolidada pelo Acórdão nº 3059/2016-Plenário reforça um princípio fundamental da governança em contratações públicas: o planejamento adequado precede qualquer ato externo. Para as empresas estatais, o orçamento estimativo não é mera formalidade burocrática, mas elemento essencial que confere legitimidade e eficiência ao processo licitatório.

Recomendo aos gestores de empresas estatais que implementem protocolos rigorosos de verificação documental antes da publicação de qualquer edital, institucionalizando a aprovação do orçamento estimativo como condição sine qua non para a divulgação do certame. Essa prática não apenas evita questionamentos junto aos órgãos de controle, mas também contribui para contratações mais vantajosas e transparentes.

Aos empresários, sugiro cautela ao identificar editais de empresas estatais que não demonstrem claramente a existência de orçamento estimativo concluído. O questionamento tempestivo dessa irregularidade pode evitar a participação em certames com risco elevado de anulação posterior, preservando recursos e esforços que seriam desperdiçados. Ademais, empresas que zelam pela legalidade dos procedimentos licitatórios contribuem para um ambiente de negócios mais ético e competitivo.

A experiência prática tem demonstrado que processos licitatórios bem planejados, com orçamentos estimativos criteriosamente elaborados, tendem a resultar em contratações mais exitosas e menos suscetíveis a aditivos contratuais ou disputas judiciais. Na 11E Licitações, observamos que a adoção de procedimentos rigorosos na fase preparatória representa, na realidade, economia de tempo e recursos para todos os envolvidos.

VI – Conclusão

A resposta à pergunta que intitula este artigo é inequívoca: não, as empresas estatais não podem divulgar licitação sem orçamento estimativo concluído. O Acórdão nº 3059/2016-TCU-Plenário, em consonância com a Lei nº 13.303/2016, estabelece claramente que o orçamento estimativo é elemento essencial da fase preparatória, devendo estar concluído antes da divulgação do certame.

A observância desta sequência lógica vai além do mero cumprimento formal da legislação – representa garantia de transparência, eficiência e segurança jurídica aos processos de contratação pública. As empresas estatais, embora submetidas a regime próprio de licitação, não estão isentas de observar os princípios fundamentais que regem a administração pública, entre os quais se destaca o planejamento adequado das contratações.

Tanto gestores públicos quanto empresários devem estar atentos a este requisito, pois sua inobservância pode levar à invalidação do procedimento licitatório, com consequente desperdício de recursos e esforços de todos os envolvidos.

VII – Como citar este texto

 

BARBOSA, Felipe José Ansaloni. OLIVEIRA, Marcela de Sousa Empresas Estatais Podem Divulgar Licitação Sem Orçamento Estimativo? 2025. Disponível em: www.11E.com.br.

VIII – Palavras-chave

Empresas estatais, Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), Tribunal de Contas da União (TCU), Acórdão 3059/2016 TCU, Orçamento estimativo, Licitações públicas, Fase preparatória, Divulgação de certame, Planejamento de Contratações, Gestão de contratos públicos

IX – Observação:

Este artigo tem caráter meramente informativo e geral. O seu conteúdo não substitui a consulta a profissionais especializados em Consultoria e Assessoria em Licitações e Contratos Administrativos, especialmente para a avaliação de casos concretos. Recomenda-se que as Empresas Estatais busquem orientação jurídica especializada e casuística, antes de realizar qualquer contratação. A 11E Licitações, empresa especializada no segmento de consultoria e treinamentos, pode auxiliar a sua empresa estatal. Entre em contato conosco pelo: contato@11e.com.br ou whatsapp: (31) 3568-8311.

[1] Analista da 11E Licitações.

[2] CEO e Professor da 11E Licitações.

[3] 5.2 O pedido de licitação deverá conter, dentre outros, os seguintes elementos:
I – NO CASO DE OBRA OU SERVIÇO:

(…) c) indicação do custo estimado para a execução, cujo orçamento deverá ser anexado ao pedido;