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É legal exigir memória de cálculo dos índices contábeis em licitações do Sistema S?

Por: Marcela Oliveira[1]

Supervisão: Felipe Ansaloni[2]

 

I – Introdução

No âmbito das contratações realizadas pelas entidades do chamado Sistema S – como o Serviço Social da Indústria (SESI), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), entre outros – a observância aos respectivos regulamentos internos de licitações é imperativa. Embora essas entidades não estejam subordinadas diretamente à Lei nº 14.133/2021, elas estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), o qual atua como guardião da legalidade, legitimidade e economicidade das despesas realizadas com recursos parafiscais.

Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) analisou um caso envolvendo o Serviço Social da Indústria (SESI/DF), no qual foi questionada a exigência de memória de cálculo dos índices contábeis em um pregão eletrônico. O Acórdão nº 2342/2020 – Plenário estabeleceu um importante precedente sobre os limites das exigências licitatórias, reforçando o princípio do formalismo moderado.

Neste artigo, discutiremos os impactos dessa decisão para gestores do Sistema S e empresários participantes de licitações, apresentando recomendações práticas para evitar irregularidades e garantir processos mais eficientes.

II – É legal exigir memória de cálculo dos índices contábeis em licitações do Sistema S?

 

O Acórdão nº 2342/2020 – TCU – Plenário analisou representação sobre o Pregão Eletrônico nº 9/2020, promovido pelo Serviço Social da Indústria – Departamento Regional do Distrito Federal (SESI/DR/DF), que incluiu nos itens 14.5.2 e 14.5.3 “a” do edital a exigência de apresentação da memória de cálculo dos índices contábeis. O TCU considerou tal exigência indevida, por ultrapassar o que dispõe o art. 12, III, “a”[3], do Regulamento de Licitações e Contratos do SESI:

REPRESENTAÇÃO. SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA – DEPARTAMENTO REGIONAL DO DISTRITO FEDERAL (SESI/DR/DF). PREGÃO ELETRÔNICO 9/2020. EXIGÊNCIA DE MEMÓRIA DE CÁLCULO DOS ITENS CONTÁBEIS. AFRONTA AO REGULAMENTO DE LICITAÇÕES DO SESI. PARCIAL PROCEDÊNCIA. CIÊNCIA. ARQUIVAMENTO.

A inclusão de exigência de apresentação da memória de cálculo dos índices contábeis nos itens 14.5.2 e 14.5.3 a do edital, extrapolando o disposto no art. 12, III, a do Regulamento de Licitações e Contratos do Sesi, que, ao dispor sobre a apresentação de balanço patrimonial e demonstrações contábeis que comprovem a situação financeira da empresa, por meio do cálculo de índices contábeis previstos no instrumento convocatório, não obriga a apresentação, pelos licitantes, da memória de cálculo. Assim, o referido edital, além de desbordar o Regulamento de Licitações e Contratos do Sesi, contraria o princípio do formalismo moderado e a jurisprudência deste Tribunal.

(ACÓRDÃO 2342/2020 – PLENÁRIO – Relator: RAIMUNDO CARREIRO – Processo: 025.363/2020-4 launch: Tipo de processo: REPRESENTAÇÃO (REPR) – Data da sessão: 02/09/2020 – Número da ata: 33/2020 – Plenário)

No caso em questão, o TCU entendeu que exigir a memória de cálculo dos índices contábeis representava formalismo excessivo, pois:

  1. Não está previsto expressamente no regulamento;
  2. Os documentos exigíveis (balanço e demonstrações) já contêm todas as informações necessárias para o cálculo;
  3. O cálculo dos índices pode ser realizado pela própria comissão de licitação, sem transferir esse ônus aos licitantes.

A norma do SESI autoriza a exigência de balanço patrimonial e demonstrações contábeis, bem como o cálculo de índices contábeis definidos no edital. No entanto, não obriga o licitante a apresentar a memória de cálculo desses índices. Nesse sentido, a exigência de documentação adicional não prevista no regulamento contraria o princípio do formalismo moderado – um dos pilares da jurisprudência do TCU para contratações no âmbito do Sistema S.

O formalismo moderado preza por um equilíbrio: assegura a observância das regras editalícias, mas sem rigidez excessiva ou criação de obstáculos desnecessários à competitividade. Exigir a memória de cálculo, quando os próprios índices podem ser verificados a partir das demonstrações contábeis já exigidas, representa formalismo excessivo e indevido, em prejuízo da isonomia e da ampla participação.

III – Recomendações do TCU aos Gestores do Sistema S:

Diante da jurisprudência consolidada do TCU, recomenda-se aos gestores:

  1. Evitar a inclusão de exigências não previstas nos regulamentos próprios, ainda que pareçam justificadas sob a ótica da segurança ou do controle.
  2. Revisar os modelos de editais, assegurando que todas as exigências de habilitação estejam fundamentadas diretamente no Regulamento de Licitações da respectiva entidade.
  3. Adotar o princípio do formalismo moderado, mantendo o rigor necessário, mas sem criar barreiras excessivas à competitividade.
  4. Promover capacitação contínua das equipes de licitação, com foco em boas práticas e jurisprudência atualizada do TCU.
  5. Em caso de dúvida, buscar parecer jurídico prévio sobre a legalidade das exigências editalícias.

IV – Recomendações da 11E Licitações aos Empresários:

Já os empresários que pretendem participar de licitações promovidas pelas entidades do Sistema S devem:

  1. Analisar criticamente os editais, verificando se há exigências que extrapolam o regulamento da entidade.
  2. Quando identificarem cláusulas abusivas ou indevidas, formular impugnações fundamentadas, com base na jurisprudência do TCU.
  3. Manter atualizadas suas demonstrações contábeis, de modo que os índices exigidos possam ser prontamente verificados pelos documentos.
  4. Consultar especialistas ou assessoria jurídica, sempre que houver dúvidas quanto à regularidade das exigências.

 

V – Comentários do Professor Felipe Ansaloni

Em minha experiência de mais de 15 anos assessorando entidades do Sistema S e empresas licitantes, tenho observado que o excesso de formalismo é um dos principais fatores que comprometem a eficiência das contratações. O caso analisado pelo TCU no Acórdão 2342/2020 Plenário é emblemático e reflete uma prática recorrente: a criação de exigências não previstas nos Regulamentos, sob o pretexto de maior segurança ou controle.

Na prática, quando uma entidade do Sistema S exige a memória de cálculo dos índices contábeis, está não apenas descumprindo seu próprio Regulamento, mas também gerando um ônus desnecessário para os licitantes e para a própria comissão de licitação, que precisará analisar documentos adicionais sem real valor agregado ao processo.

Gestores do Sistema S devem criar checklists baseados estritamente em seus Regulamentos, evitando modelos genéricos. Empresários, por sua vez, precisam verificar as exigências antes da participação, questionando formalmente aquelas que extrapolam o Regulamento na fase de impugnação.

O formalismo moderado significa controle inteligente, focado no essencial para garantir a capacidade de execução contratual, sem criar barreiras desnecessárias à competitividade.

           

VI – Conclusão

Conforme o entendimento firmado pelo TCU no Acórdão nº 2342/2020 Plenário, não é legal exigir a memória de cálculo dos índices contábeis em licitações do Sistema S. Tal exigência extrapola o disposto nos Regulamentos de Licitações e Contratos dessas entidades e contraria o princípio do formalismo moderado.

É fundamental que os gestores do Sistema S observem estritamente os limites de seus Regulamentos, evitando criar exigências adicionais que possam restringir indevidamente a competitividade dos certames. Por outro lado, os empresários devem conhecer seus direitos e a jurisprudência aplicável para se defenderem de exigências indevidas.

A correta aplicação dos Regulamentos de Licitações, em conformidade com a jurisprudência do TCU, contribui para processos licitatórios mais eficientes, competitivos e vantajosos para as entidades do Sistema S, permitindo que cumpram sua importante missão social com o máximo de economicidade e transparência.

VII – Como citar este texto

 

BARBOSA, Felipe José Ansaloni. OLIVEIRA, Marcela de Sousa. É legal exigir memória de cálculo dos índices contábeis em licitações do Sistema S? 2025. Disponível em: www.11E.com.br.

VIII – Palavras-chave

Sistema S – licitações – TCU – Acórdão 2342/2020 – qualificação econômico-financeira – índices contábeis – memória de cálculo – formalismo moderado – Regulamento – balanço patrimonial – demonstrações contábeis – habilitação – competitividade – gestores – empresários – ilegalidade

IX – Observação:

Este artigo tem caráter meramente informativo e geral. O seu conteúdo não substitui a consulta a profissionais especializados em Consultoria e Assessoria em Licitações e Contratos Administrativos, especialmente para a avaliação de casos concretos. Recomenda-se que os gestores das Entidades do Sistema S busquem orientação jurídica especializada e casuística, antes de realizar qualquer contratação. A 11E Licitações, empresa especializada no segmento de consultoria e treinamentos, pode auxiliar o seu ente público. Entre em contato conosco pelo: contato@11e.com.br ou whatsapp: (31) 3568-8311.

[1] Analista da 11E Licitações.

[2] CEO e Professor da 11E Licitações.

[3] Art. 12. Para a habilitação nas licitações poderá, observado o disposto no parágrafo único, ser exigida dos interessados, no todo ou em parte, conforme se estabelecer no instrumento convocatório, documentação relativa a:

III – qualificação econômico-financeira: a) balanço patrimonial e demonstrações contábeis do último exercício social, ou balanço de abertura no caso de empresa recém-constituída, que comprovem a situação financeira da empresa, através do cálculo de índices contábeis previstos no instrumento convocatório;

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