Preload Image

Consórcios Públicos: A Busca pela Melhor Proposta Justifica a Inabilitação Sumária na Nova Lei de Licitações?

 

Por: Marcela Oliveira[1]

Supervisão: Felipe Ansaloni[2]

 

I – Introdução

A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) trouxe consigo uma série de inovações e reafirmações de princípios que regem as contratações públicas no Brasil. Em um cenário onde a eficiência e a economicidade são imperativos, os Consórcios Públicos desempenham um papel fundamental na otimização de recursos e na prestação de serviços de interesse comum.

Contudo, a aplicação rigorosa das regras de habilitação, em detrimento da análise da proposta mais vantajosa, pode gerar questionamentos e potenciais prejuízos ao erário. A recente jurisprudência do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG), materializada no Processo 1174233, lança luz sobre essa questão, confrontando a prática de inabilitação sumária com os princípios do formalismo moderado e da obtenção da melhor proposta, previstos na própria Lei nº 14.133/2021.

Este artigo visa analisar essa decisão à luz da nova legislação, oferecendo recomendações tanto para gestores de consórcios públicos quanto para empresários que participam de licitações.

II – Consórcios Públicos: A Busca pela Melhor Proposta Justifica a Inabilitação Sumária na Nova Lei de Licitações?

 

A decisão do TCE/MG no Processo 1174233 é emblemática ao abordar a inabilitação de um licitante que ofertou a proposta mais vantajosa em um pregão eletrônico para registro de preços. O caso julgado abordava um pregão eletrônico para registro de preços visando a aquisição futura de centrais de ar, bebedouros, estruturas e equipamentos diversos. O licitante que apresentou a melhor proposta econômica foi sumariamente inabilitado por ausência de documento cuja exigibilidade seria posterior à fase de julgamento das propostas.

O Tribunal entendeu que a inabilitação “de plano” do licitante, antes mesmo da exigência da documentação de habilitação do vencedor, configura uma violação aos artigos 63, II,[3] e 64[4] da Lei nº 14.133/2021, bem como aos princípios do formalismo moderado e da obtenção da melhor proposta:

DENÚNCIA. MEDIDA CAUTELAR. CONSÓRCIO INTERMUNICIPAL. PREGÃO ELETRÔNICO. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS PARA FUTURA E EVENTUAL AQUISIÇÃO DE CENTRAIS DE AR, BEBEDOUROS, ESTRUTURAS DE AÇO/MADEIRA E EQUIPAMENTOS. INABILITAÇÃO, DE PLANO, DE LICITANTE QUE OFERTOU A PROPOSTA MAIS VANTAJOSA. ARTS. 63, II, E 64 DA LEI N. 14.133/2022. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO FORMALISMO MODERADO E DA OBTENÇÃO DA MELHOR PROPOSTA. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. DIFERENÇA SIGNIFICATIVA ENTRE OS VALORES OFERTADOS PELA DENUNCIANTE E AQUELES PROPOSTOS PELA VENCEDORA DO CERTAME. PERIGO NA DEMORA. SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS. DECISÃO MONOCRÁTICA REFERENDADA.

  1. A teor do inciso II do art. 63 da Lei n. 14.133/2021, a apresentação da documentação de habilitação deve ser imposta tão somente pelo licitante vencedor da licitação, exigível, por consectário, após o julgamento das propostas.
  2. Incumbe ao órgão promotor da licitação primar pela efetividade da seleção da proposta mais vantajosa, superando-se vício de julgamento sanável, de modo que a ausência de documento que configure mera exigência formal não deve ensejar a desclassificação, de plano, de licitante com a melhor proposta, sob pena de macular o procedimento com formalismo exacerbado.

(Processo 1174233 – Denúncia. Rel. Cons. Subst. Hamilton Coelho. Deliberado em 25/9/2024. Publicado no DOC em 10/10/2024) (grifo nosso)

O artigo 63, inciso II, da Nova Lei de Licitações estabelece que a apresentação da documentação de habilitação deve ser exigida apenas do licitante vencedor, após o julgamento das propostas. Essa disposição legal visa otimizar o processo licitatório, evitando a análise desnecessária de documentos de habilitação de todos os participantes e focando os esforços na avaliação da proposta mais vantajosa para a administração pública.

Nesse contexto, a jurisprudência do TCE/MG reforça a necessidade de que os órgãos promotores de licitação, incluindo os consórcios públicos, primem pela efetividade na seleção da melhor proposta. A ausência de um documento que represente uma mera exigência formal não deve ser motivo para a desclassificação sumária do licitante que apresentou a oferta mais vantajosa, especialmente quando essa diferença de valores é significativa em relação às demais propostas.

A aplicação do princípio do formalismo moderado, previsto no artigo 5º da Lei nº 14.133/2021, impõe que as exigências formais não sejam interpretadas de maneira excessiva, a ponto de comprometer a seleção da proposta mais vantajosa e a eficiência da contratação. Vícios sanáveis não devem levar à eliminação de licitantes com propostas competitivas, desde que não comprometam a lisura do certame e a capacidade do licitante de executar o contrato.

III – Recomendações do TCE/MG aos Consórcios Públicos:

Diante da jurisprudência do TCE/MG e dos dispositivos da Nova Lei de Licitações, recomenda-se aos gestores de consórcios públicos:

  • Priorizar a Análise das Propostas: Concentrem-se na análise e julgamento das propostas antes de iniciar a fase de habilitação. A exigência de documentos de habilitação deve recair apenas sobre o licitante provisoriamente vencedor.
  • Aplicar o Formalismo Moderado: Avaliem a relevância das exigências formais e a possibilidade de sanar eventuais falhas documentais que não comprometam a capacidade do licitante de executar o contrato ou a lisura do processo. A desclassificação por motivos meramente formais, especialmente quando a proposta é significativamente mais vantajosa, deve ser evitada.
  • Observar o Artigo 64 da Lei nº 14.133/2021: Atentem para a possibilidade de saneamento de falhas ou complementação de documentação, conforme previsto no artigo 64 da Nova Lei, antes de proceder à inabilitação.
  • Motivar Adequadamente as Decisões: Qualquer decisão de inabilitação, mesmo na fase de habilitação do vencedor, deve ser devidamente motivada, explicitando as razões de fato e de direito que levaram a essa conclusão, especialmente quando a proposta era a mais vantajosa.
  • Buscar Orientação Jurídica: Em casos de dúvidas sobre a interpretação e aplicação das normas de habilitação, busquem o apoio de assessorias jurídicas especializadas em licitações e contratos públicos.

IV – Recomendações da 11E Licitações ao Empresário:

Para os empresários que participam de licitações promovidas por consórcios públicos, recomenda-se:

  • Atentar à Fase de Habilitação: Embora a habilitação seja exigida apenas do vencedor, mantenham sua documentação sempre atualizada e organizada para evitar contratempos quando forem declarados vencedores.
  • Monitorar o Edital: Analisem cuidadosamente os requisitos de habilitação estabelecidos no edital, buscando esclarecimentos junto ao órgão licitador em caso de dúvidas.
  • Em Caso de Inabilitação Injusta: Caso sejam inabilitados de forma sumária, mesmo com a melhor proposta, e entendam que houve violação aos princípios da Nova Lei de Licitações, como o formalismo moderado, considerem interpor os recursos administrativos cabíveis, fundamentando sua argumentação na legislação e na jurisprudência pertinente, como a decisão do TCE/MG.
  • Documentar as Propostas Vantajosas: Mantenham registros claros e detalhados de suas propostas, especialmente quando apresentarem valores significativamente inferiores aos demais concorrentes. Essa documentação pode ser crucial em caso de questionamentos ou recursos.

 

V – Comentários do Professor Felipe Ansaloni

           

A decisão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE/MG) reforça um importante parâmetro para licitações conduzidas pelos Consórcios Públicos sob a ótica da Lei nº 14.133/2021: não se deve promover a inabilitação sumária de licitantes que apresentem a melhor proposta por questões meramente formais que possam ser sanadas posteriormente.

Recomendo aos gestores públicos que concentrem esforços na análise substancial das propostas e priorizem o princípio do formalismo moderado, evitando prejuízos ao interesse público decorrentes de rigidez excessiva. Da mesma forma, os empresários devem estar preparados para questionar e recorrer contra inabilitações injustificadas, especialmente quando se trata da proposta economicamente mais vantajosa, embasando seus argumentos na jurisprudência consolidada do TCE e no rigor técnico da Lei nº 14.133/2021.

VI – Conclusão

A decisão do TCE/MG no Processo 1174233 representa um importante marco interpretativo da Nova Lei de Licitações, reafirmando a primazia da busca pela proposta mais vantajosa e a necessidade de moderação no formalismo dos procedimentos licitatórios conduzidos por Consórcios Públicos.

Fica evidente que a inabilitação sumária de licitantes por questões meramente formais não encontra respaldo na Lei nº 14.133/2021, especialmente quando se considera que tal prática pode resultar em contratações menos vantajosas para a Administração Pública.

Para os Consórcios Públicos, entidades que têm por finalidade precípua a otimização de recursos e a eficiência na prestação de serviços públicos, a adoção do formalismo moderado mostra-se ainda mais relevante, pois alinha-se diretamente à sua missão institucional.

Por fim, cabe ressaltar que o equilíbrio entre o respeito às formalidades essenciais à lisura do processo licitatório e a busca pela proposta mais vantajosa deve ser o norte para gestores públicos e empresários, promovendo contratações que atendam ao interesse público com eficiência e economicidade.

VII – Como citar este texto

 

BARBOSA, Felipe José Ansaloni. OLIVEIRA, Marcela de Sousa. Consórcios Públicos: A Busca pela Melhor Proposta Justifica a Inabilitação Sumária na Nova Lei de Licitações? 2025. Disponível em: www.11E.com.br.

VIII – Palavras-chave

Consórcios Públicos, Licitações Públicas, Nova Lei de Licitações (NLL), Lei nº 14.133/2021, Habilitação, Inabilitação, Julgamento das Propostas, Proposta Mais Vantajosa, Formalismo Moderado, Eficiência, Economicidade, Pregão Eletrônico, Sistema de Registro de Preços (SRP), TCE/MG, Jurisprudência, Processo 1174233, Gestão de Contratos Públicos, Licitantes, Empresários, Saneamento de Falhas, Artigo 63, II NLL, Artigo 64 NLL

IX – Observação:

Este artigo tem caráter meramente informativo e geral. O seu conteúdo não substitui a consulta a profissionais especializados em Consultoria e Assessoria em Licitações e Contratos Administrativos, especialmente para a avaliação de casos concretos. Recomenda-se que os Consórcios Públicos busquem orientação jurídica especializada e casuística, antes de realizar qualquer contratação. A 11E Licitações, empresa especializada no segmento de consultoria e treinamentos, pode auxiliar o seu Consórcio Público. Entre em contato conosco pelo: contato@11e.com.br ou whatsapp: (31) 3568-8311.

[1] Analista da 11E Licitações.

[2] CEO e Professor da 11E Licitações.

[3] Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições:

III – serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado; (grifo nosso)

[4] Art. 64. Após a entrega dos documentos para habilitação, não será permitida a substituição ou a apresentação de novos documentos, salvo em sede de diligência, para:

I – complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes e desde que necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame;

II – atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.