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Os Conselhos Profissionais Podem Contratar Empresas com Sócios Parentes de Seus Gestores?

Por: Marcela Oliveira[1]

Supervisão: Felipe Ansaloni[2]

 

I – Introdução

Os Conselhos Profissionais, como autarquias federais de regime especial, exercem função pública de fiscalização do exercício profissional e, apesar de suas particularidades jurídicas, estão submetidos aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Entre as questões que frequentemente suscitam dúvidas na gestão dessas entidades está a possibilidade de contratação de empresas cujos sócios possuem vínculos de parentesco com gestores ou servidores dos próprios Conselhos.

Esta problemática ganhou novos contornos com a entrada em vigor da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/2021), que trouxe dispositivos específicos sobre conflitos de interesse nas contratações públicas. A jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) no Acórdão 5847/2012 reforça a necessidade de cautela na contratação de empresas cujos sócios possuam ligações familiares com dirigentes da entidade contratante e oferece diretrizes importantes para garantir que as contratações sejam feitas de maneira transparente e justa.

Neste artigo, será discutido como a jurisprudência do TCU orienta os Conselhos Profissionais sobre a contratação de empresas com sócios parentes de seus gestores, além de abordar formas de evitar conflitos de interesse e assegurar a conformidade com a legislação.

II – Os Conselhos Profissionais Podem Contratar Empresas com Sócios Parentes de Seus Gestores?

 

A integridade e a transparência são pilares fundamentais nas contratações públicas, e os Conselhos Profissionais não são exceção.

A jurisprudência do TCU é clara em relação à contratação de empresas que tenham como sócios parentes de gestores públicos. Em um caso específico, o TCU julgou que a contratação de uma empresa por dispensa de licitação, cujo sócio administrador era parente de uma superintendente administrativa, violava os princípios da moralidade e da impessoalidade, fundamentais para a Administração Pública:

REPRESENTAÇÃO. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO ESPÍRITO SANTO. PREGÃO. NÃO OBSERVÂNCIA DE PRECEITOS DA LEI DE LICITAÇÕES. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA, POR DISPENSA DE LICITAÇÃO, CUJO SÓCIO ADMINISTRADOR É PARENTE DA SUPERINTENDENTE ADMINISTRATIVA DA ENTIDADE. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE. MULTA.

  1. A contratação de empresa por dispensa de licitação é medida excepcional, que somente deve ser adotada nas restritas hipóteses elencadas em lei e justificada do ponto de vista jurídico, técnico e econômico.
  2. Ofende os princípios da moralidade e da impessoalidade a contratação, por entidade da Administração Pública, de empresa que possui como sócio administrador parente de gestora com poderes de gerência naquele ente.

(ACÓRDÃO 5847/2012 – SEGUNDA CÂMARA – Relator: MARCOS BEMQUERER – Processo: 014.186/2011-0 launch – Tipo de processo: REPRESENTAÇÃO (REPR) – Data da sessão: 07/08/2012 – Número da ata: 27/2012 – Segunda Câmara)(grifo nosso)

Conforme destacado pelo relator, Ministro Marcos Bemquerer, a contratação direta por dispensa de licitação já constitui medida excepcional, somente admitida nas hipóteses taxativamente previstas em lei e mediante robusta justificativa técnica, jurídica e econômica. Quando somada à existência de vínculo de parentesco entre o contratado e um gestor do órgão contratante, configura-se situação de grave irregularidade administrativa.

Esta decisão não representa caso isolado, mas reflete entendimento pacificado na Corte de Contas, que considera tais contratações incompatíveis com o interesse público, independentemente do valor envolvido ou da modalidade de contratação (licitação ou contratação direta).

A Lei 14.133/2021 incorporou expressamente restrições a contratações que possam configurar conflito de interesse. O art. 9º[3] da lei estabelece impedimentos à participação em licitação e na execução de contrato, incluindo pessoas físicas ou jurídicas que tenham vínculos de natureza técnica, comercial, econômica, financeira ou trabalhista com agentes públicos que desempenhem função na licitação ou atuem na fiscalização e gestão do contrato.

Adicionalmente, o art. 14, inciso IV[4] da mesma lei prevê como princípio o afastamento de contratações de “pessoas com as quais ele [o contratante público] ou os seus servidores tenham relação de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de amizade“.

Estes dispositivos evidenciam que o legislador buscou preservar a impessoalidade e a moralidade nas contratações públicas, prevenindo situações em que interesses privados possam se sobrepor ao interesse público.

III – Recomendações do TCU aos Conselhos Profissionais:

Diante do entendimento do TCU e das disposições da Lei 14.133/2021, os Conselhos Profissionais devem adotar medidas preventivas para garantir contratações éticas e transparentes:

  1. Realizar um planejamento adequado das contratações para reduzir ao mínimo as dispensas de licitação.
  2. Evitar contratações com empresas de parentes de servidores ou dirigentes, ainda que a dispensa seja legalmente justificável.
  3. Publicizar e justificar adequadamente todas as contratações diretas, garantindo a transparência dos processos.
  4. Implementar mecanismos de compliance para identificar potenciais conflitos de interesse antes da contratação.
  5. Capacitar continuamente os gestores e servidores sobre os riscos e melhores práticas em contratações públicas.

IV – Recomendações da 11E Licitações aos Empresários:

Para os empresários que desejam contratar com Conselhos Profissionais, a 11E faz as seguintes recomendações:

  1. Verificar previamente a existência de parentesco com qualquer dirigente, conselheiro ou servidor do órgão contratante, abstendo-se de participar quando identificada tal situação;
  2. Declarar expressamente no processo licitatório a inexistência de impedimentos ou conflitos de interesse, conforme exigido pelo art. 9º, §2º da Lei 133/2021;
  3. Manter atualizados os cadastros empresariais junto aos órgãos competentes e no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF);
  4. Adotar programa de compliance que inclua a verificação prévia de impedimentos para contratar com a Administração Pública;
  5. Conhecer as restrições legais às contratações diretas, evitando induzir gestores a erro quanto à caracterização dessas hipóteses excepcionais.

 

V – Comentários do Professor Felipe Ansaloni

           

A contratação de empresas com sócios parentes de gestores públicos representa um risco significativo para a integridade e a transparência das contratações nos Conselhos Profissionais. A jurisprudência do TCU e a Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) são unânimes em coibir tal prática, visando proteger o interesse público e evitar conflitos de interesse.

Gestores públicos: Implementem e divulguem um Código de Ética e Conduta que explicite a proibição da contratação de empresas com sócios parentes de gestores, assegurando a transparência e a imparcialidade nos processos de contratação.

Empresários: Adotem como prática a verificação da existência de parentesco entre seus sócios e gestores públicos antes de participar de licitações ou contratações diretas, declarando expressamente a inexistência de conflito de interesse.

Lembre-se de que a prevenção é sempre o melhor caminho. A adoção de medidas preventivas e a busca por orientação especializada são cruciais para garantir a conformidade legal e a lisura dos processos de contratação.

VI – Conclusão

A resposta à pergunta que intitula este artigo é clara: não, os Conselhos Profissionais não podem contratar empresas com sócios parentes de seus gestores. Tal prática viola frontalmente os princípios da moralidade e da impessoalidade que regem a Administração Pública, conforme pacificado na jurisprudência do TCU e agora expressamente vedado na Nova Lei de Licitações.

Além de ilegal, a contratação nestas circunstâncias expõe os gestores dos Conselhos a sanções administrativas e até penais, comprometendo a credibilidade da instituição perante os profissionais que representa e a sociedade em geral.

A Nova Lei de Licitações reforçou os mecanismos de prevenção a conflitos de interesse nas contratações públicas, oferecendo oportunidade para que os Conselhos Profissionais aprimorem seus processos internos e adotem práticas mais transparentes e objetivas. A implementação dessas medidas não representa mera formalidade burocrática, mas condição essencial para a legitimidade da atuação desses importantes entes públicos.

Os Conselhos Profissionais, ao exercerem seu poder de polícia administrativa sobre as profissões regulamentadas, devem ser exemplos de integridade e conformidade legal, garantindo que o interesse público prevaleça sobre quaisquer interesses particulares, especialmente nas contratações que realizam com recursos provenientes das contribuições dos profissionais registrados.

VII – Como citar este texto

 

BARBOSA, Felipe José Ansaloni. OLIVEIRA, Marcela de Sousa. Os Conselhos Profissionais Podem Contratar Empresas com Sócios Parentes de Seus Gestores? 2025. Disponível em: www.11E.com.br.

VIII – Palavras-chave

Acórdão 5847/2012, TCU, Licitação, Lei 14133/2021, Moralidade, Impessoalidade, Conflito de Interesses, Contratação pública, Conselho Profissional

IX – Observação:

Este artigo tem caráter meramente informativo e geral. O seu conteúdo não substitui a consulta a profissionais especializados em Consultoria e Assessoria em Licitações e Contratos Administrativos, especialmente para a avaliação de casos concretos. Recomenda-se que os Conselhos Profissionais busquem orientação jurídica especializada e casuística, antes de realizar qualquer contratação. A 11E Licitações, empresa especializada no segmento de consultoria e treinamentos, pode auxiliar o seu Conselho Profissional. Entre em contato conosco pelo: contato@11e.com.br ou whatsapp: (31) 3568-8311.

[1] Analista da 11E Licitações.

[2] CEO e Professor da 11E Licitações.

[3] Art. 9º É vedado ao agente público designado para atuar na área de licitações e contratos, ressalvados os casos previstos em lei:

  • 1º Não poderá participar, direta ou indiretamente, da licitação ou da execução do contrato agente público de órgão ou entidade licitante ou contratante, devendo ser observadas as situações que possam configurar conflito de interesses no exercício ou após o exercício do cargo ou emprego, nos termos da legislação que disciplina a matéria.
  • 2º As vedações de que trata este artigo estendem-se a terceiro que auxilie a condução da contratação na qualidade de integrante de equipe de apoio, profissional especializado ou funcionário ou representante de empresa que preste assessoria técnica.

 

[4] Art. 14. Não poderão disputar licitação ou participar da execução de contrato, direta ou indiretamente:

IV – aquele que mantenha vínculo de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista ou civil com dirigente do órgão ou entidade contratante ou com agente público que desempenhe função na licitação ou atue na fiscalização ou na gestão do contrato, ou que deles seja cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, devendo essa proibição constar expressamente do edital de licitação;